Os populistas têm razão numa coisa: a União Europeia
não dá ouvidos aos seus cidadãos. E a ação dos dirigentes e das instituições
apenas reforça a impressão de que a integração europeia é feita através de
medidas tecnocráticas, sobre as quais os populares não têm influência.
Quando Jürgen Habermas, filósofo alemão, diz qualquer
coisa sobre a Europa e o seu país, os alemães tomam nota. Europeu apaixonado,
com grande apoio nos EUA, Jürgen Habermas, 84 anos, tece comentários quando
acha que as coisas estão a ir muito mal. Numa palestra em Berlim, no meio
da atual crise do euro, e cativou o público. Acusa as elites políticas de
renegar a responsabilidade de dar a Europa aos cidadãos.
“O processo de integração europeia, que nunca esteve
ao alcance da população, é agora um caso insolúvel”, afirmou Jürgen Habermas,
num fórum realizado pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores. “Não poderá
avançar mais enquanto não puser de parte o seu modo administrativo habitual e
enveredar por um maior envolvimento do público.” As elites políticas
“andam com a cabeça enterrada na areia”, afirmou, acrescentando que “persistem
obstinadamente num projeto elitista e na desemancipação da população europeia”.
O comportamento de Durão Barroso, presidente da
Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, e de Herman Van Rompuy, presidente
do Conselho Europeu, que representa os 27 Estados-membros. Nestes últimos
meses, nenhum deles conseguiu explicar a um público mais abrangente o que está
a acontecer à Europa e ao euro. Nas entrevistas que dão, tendem a dirigir-se a
uma elite. Nenhum deles chega ao cidadão. “.
Durão Barroso e Van Rompuy foram escolhidos à porta
fechada. Angela Merkel, chanceler alemã, e Nicolas Sarkozy, presidente francês,
que em matéria de assuntos europeus geralmente contornam o público mais amplo,
exerceram uma poderosa influência sobre a escolha da figura que iria gerir
Bruxelas. Optaram por líderes fracos, que ficassem comprometidos, dizem os
analistas. Os que argumentam a favor de mais democracia na União Europeia,
que dê aos líderes de Bruxelas uma verdadeira legitimidade e os force a
justificar as decisões em público, estão perante dois grandes obstáculos.
O primeiro é a determinação dos parlamentos nacionais
em se agarrarem ao que lhes resta de poder próprio. Neste momento, dois terços
da legislação é aprovada em Bruxelas e, depois, passada para os parlamentos
nacionais, onde é aprovada com um aceno de cabeça. Não admira que os
legisladores alemães estejam tão calejados na questão da crise do euro. O
plano, vagamente definido por Merkel e Sarkozy, num dos muitos encontros em Paris
, de introduzir uma governação económica na UE, implica uma intromissão de
Bruxelas no sistema fiscal e no orçamento da Alemanha. Este tipo de governação
é um passo lógico em direção a uma maior integração económica. Mas, e a
transparência e a responsabilidade democrática não existe.
A
UE funciona na base do método
O segundo obstáculo é que, com uma maior democracia,
haveria uma reanálise dos tratados europeus que, entre muitas outras coisas,
determinam o modo como as lideranças de Bruxelas são escolhidas e o modo de
funcionamento das instituições. “É um grande problema de legitimidade. Se
o que se pretende é mais legitimidade por meios legais, isso implica a revisão
dos tratados”,. Mas nenhum líder europeu quer reabrir os tratados tão
laboriosamente negociados.
A UE poderia, pelo menos, ser democratizada em
pequeninas coisas. Contudo, funciona na base do método, de processos, que têm
prioridade sobre a democracia”. Decisões momentâneas, como a introdução do
euro, ou o alargamento, são tomadas aos poucos, numa fase inicial, o que
dificulta o trabalho dos opositores de reunir apoio público num determinado
momento. Mas, depois de arrancarem, ainda são mais difíceis de travar. A
Comissão Europeia e os Estados-membros avançam sempre com o argumento de que
seria demasiado arriscado e demasiado dispendioso. Para além disso, no fim,
todos iremos beneficiar de uma integração mais estreita.
É verdade que a UE não existiria nos presentes moldes
sem o “método Monnet”, como às vezes lhe chamam, por causa de Jean Monnet, o
fundador da Europa, sob cujas orientações se tomaram as primeiras decisões
modestas sobre a integração da indústria europeia do carvão e do aço, no início
da década de 1950.
Inexoravelmente, aos poucos, este método levou a um
mercado comum de todos os bens. Mas este método também foi aplicado durante a
adesão da Grécia ao euro, em 2001, apesar dos avisos de economistas e
investidores sobre a legitimidade grega e, mais tarde, durante a adesão da
Bulgária e da Roménia à UE, em 2007, apesar dos avisos judiciais e de segurança
quanto à situação endémica de tráfico e corrupção nos dois países. Todos estes
avisos foram ignorados. O processo não podia parar.
Mas
as críticas a este modelo de tomada de decisão também não são bem recebidas.
“A resposta do status quo é que, como é a solução, a
Europa não deve ser questionada”, “Se
questionarmos a Comissão Europeia, por exemplo, somos considerados
eurocéticos.” Esta abordagem justificou os partidos eurocéticos e
populistas. Os pró-europeus chamam-lhes anti-europeus. Mas os partidos
populistas, cada vez mais coniventes com a direita institucional, têm um
propósito: a UE não dá ouvidos ao cidadão.
“Faltam-nos verdadeiros líderes europeus”, “Com uma interligação tão grande entre
assuntos europeus e nacionais, é grande a necessidade de líderes europeus que
comuniquem com o público e fortaleçam a Europa.”
A crise do euro é o melhor exemplo do fracasso dos
líderes nesse aspeto. Se e quando a Europa emergir desta atual crise, os
partidários de uma maior integração dizem que a liderança em Bruxelas e nas
capitais não pode continuar como tem sido até aqui. A menos que as portas da UE
se abram à responsabilidade e à democracia, a Europa irá render-se aos
populistas.
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