sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Em Portugal - Não é fácil ser um burro hoje.



João Pedro Marnoto para o The New York Times
Gonçalo Domingues, 70, um agricultor Português, com seus burros de Miranda.
PARADELA, Portugal - Não é fácil ser um burro hoje.
The New York Times

Em primeiro lugar, existe o problema de imagem. Mas isso é uma velha questão. Mais recentemente, há mais do que nunca a utilização e as lembranças desagastadas do papel do burro, mesmo aqui nas terras altas do nordeste de Portugal, onde durante séculos os burros de Miranda indígenas ajudaram os agricultores arar os campos e transportar mercadorias.
Depois de décadas de negligência , argumentam alguns, o destino do jumento chegou a assemelhar-se a de seus colegas humanos no interior da europa em dificuldades: ameaçados pelo declínio da população e dependentes para a sua sobrevivência e dos subsídios da União Europeia .
Agora, numa era de austeridade, mesmo os burros foram arrastados para o debate sobre o quão longe a União Europeia deve ir para manter as suas regiões agrícolas, que estão a enfrentar cortes ao apoio financeiro. A ajuda este ano equivale para US $ 78 bilhões, ou seja 43 por cento do orçamento global da União Europeia, mas no âmbito de um acordo recentemente atingido, a despesas agrícolas vai cair ligeiramente até 2020, cerca de 68.000 milhões dólares americanos por ano, o que representa 38 por cento do orçamento da União .
Desde 2003, o grande e dócil burro de Miranda, em homenagem a terra onde vive, Terra de Miranda, foi listado como uma raça em extinção. O Miranda, que tem manchas brancas ao redor dos olhos e um pelo grosso que lhe crescendo através dos anos, constantemente foi preterido  pelo tractor e outros equipamentos agrícolas modernos.
E, como os jovens continuam a deixar as áreas rurais para as cidades, os burros também estão a ser ameaçados, pois os agricultores que cuidavam deles já estão  muito velhos para o continuar fazer.
"Eu lembro-me de ver  burros a andar a maioria de nossas estradas das nossas aldeias , mas hoje isso já não acontece, disse Filomena Afonso, directora do animal no departamento de pesquisa genética do Ministério da Agricultura de Portugal, que se estima que a população burro no país caiu um quarto do que era na década de 1970.
Recentemente, o burro Miranda estava " numa estrada de sentido único à extinção", disse Miguel Nóvoa, veterinário e director de uma associação que mantém 140 burros de Miranda em dois abrigos, um para reprodução e outra para os burros que são velhos ou abandonados.
Graças aos esforços de conservacionistas, que usaram os subsídios nacionais e da União Europeia para se reproduzir burros de Miranda, a população foi recentemente estabilizado em torno de 800. Os agricultores também têm sido capazes de se candidatar a subsídios - US $ 230 por ano para cada animal - que convenceu mais deles para manter seus burros, apesar de seu valor cada vez menor, como o trabalho agrícola.
Sem esses subsídios, "não faria sentido económico para manter meus burros,
Os conservacionistas dizem que burros continuam sob ameaça, não só no sul da Europa, mas em todo o mundo ocidental.
"As pessoas simplesmente não percebem que toda a espécie de burro esta numa situação de perigo na Europa", disse Waltraud Kugler, diretor do projecto com sede na Suíça, na Fundação SAVE, uma organização europeia de conservação animal.
A Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas enumera 53 raças de burro espalhados por toda a Europa, incluindo a Rússia e algumas ex-repúblicas soviéticas. Ms. Kugler disse que sua organização estima que cerca de 30 raças europeias estavam em risco, cada um com uma população com menos de 1.000.
Concluindo, o burro tem sofrido uma imagem bastante negativa, o que o deixou pouco estudado pelos cientistas. "O burro é visto como o animal estúpido dos pobres", "e esta reputação que é muito difícil de sair da cabeça das pessoas."



terça-feira, 19 de novembro de 2013

O Mercado

O mercado é o mecanismo de alocação eficiente de recursos por excelência, mas mesmo nesta tarefa sua acção deixa muitas vezes a desejar, dada não apenas a formação de monopólios, mas principalmente a existência de economias externas que escapam ao mecanismo dos preços. O Estado moderno, por sua vez, é anterior ao mercado, na medida em que Hobbes e o contrato social precedem Adam Smith e o princípio individualista de que, se cada um defender seu próprio interesse, o interesse colectivo estará garantido através da concorrência no mercado. O Estado moderno é anterior ao mercado capitalista porque é o Estado que garantirá os direitos de propriedade e a execução dos contratos, sem o que o mercado não poderá se constituir. Mas é também contemporâneo e concorrente do mercado, porque cabe a ele o papel permanente de orientar a distribuição da renda, seja concentrando-a nas mãos dos capitalistas nos períodos de acumulação primitiva, seja distribuindo-a para os mais pobres, de forma a viabilizar a emergência de sociedades civilizadas e modernas, que, além de ricas, demonstraram ser razoavelmente equitativas. 
A grande crise dos anos 30 originou-se no mal funcionamento do mercado. Conforme Keynes tão bem verificou, o mercado livre levou as economias capitalistas à insuficiência cronica da demanda agregada. Em consequência entrou também em crise o Estado Liberal, dando lugar à emergência do Estado Social- Burocrático: social porque assume o papel de garantir os direitos sociais e o pleno-emprego; burocrático, porque o faz através da contratação directa de burocratas. Reconhecia-se, assim, o papel complementar do Estado no plano económico e social. Foi assim que surgiram o Estado do Bem-Estar nos países desenvolvidos e o Estado Desenvolvimentista e Proteccionista nos países em desenvolvimento. Foi também a partir dessa crise que surgiu o Estado Soviético na Rússia transformada em União Soviética e depois em boa parte do mundo - um Estado que tentou ignorar a distinção essencial entre ele próprio e a sociedade civil, ao pretender substituir o mercado ao invés de complementá-lo.

De onde têm vindo os turistas que estão a fazer de 2013 um dos melhores anos de sempre?


Os dados mais recentes divulgados pelo INE (até setembro de 2013) revelam quais as origem, por nacionalidade, que mais têm aumentado o número relativo de turistas enviados para Portugal face ao que sucedeu em 2012. Os países com maiores taxas de crescimento de turistas a visitar Portugal estão a ser os seguintes (ver gráfico do INE aqui reproduzido):
  • EUA: +16,4%
  • Irlanda: +13,1%
  • França: +12,4%
  • Alemanha: +11,5%
  • Reino Unido: +10,5%
  • Em sentido inverso o maior destaque vai para a Itália: -8,7%
origem turismoNa presente edição das estatísticas da atividade turística o INE faz uma análise mais detalhada precisamente sobre o turista norte-americano. Eis um excerto:
Os EUA têm vindo a aumentar a sua importância relativa no grupo dos principais mercados emissores, tendo representado 2,4% das dormidas de não residentes em 2012.
A evolução deste mercado ao longo dos últimos anos tem sido positiva. Em 2005 observou-se um ligeiro acréscimo (+0,5%), que se acentuou nos dois anos seguintes (+7,8% em 2006 e +4,6% em 2007). Em 2008 e 2009 verificou-se uma forte inversão de comportamento (-13,0% e -6,7%), possivelmente associada à crise económica. Em 2010 iniciou-se uma recuperação (+8,8%), que se estendeu a 2011 (+6,1%) e 2012 (+8,3%).
(…)
Em 2012, os estabelecimentos hoteleiros alojaram 303,3 mil hóspedes residentes nos EUA, que originaram 662,9 mil dormidas, representando crescimentos de 9,0% e 8,3%, respetivamente. A estada média foi 2,2 noites, mantendo-se sem alteração há 4 anos consecutivos.
Lisboa foi o principal destino deste mercado (60,9% das dormidas), secundada pelo Algarve (10,6%). Em Lisboa as estadias prolongaram-se por 2,1 noites em média e no Algarve por 2,8. Na Madeira as permanências foram superiores (4,2 noites, em média).
Quanto ao tipo de alojamento, a procura recaiu principalmente nos hotéis (82,5% das dormidas do mercado), nomeadamente na categoria de 4 estrelas, que abarcaram aproximadamente metade das dormidas em hotéis. As estadias mais prolongadas ocorreram nos apartamentos turísticos (4,1 noites).
Setembro e outubro foram os meses que concentraram maior número de dormidas do mercado em 2012 (13,5% e 12,2%, respetivamente). (…)”


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Reconstruir o Interior destruindo a Interioridade: para uma estratégia activa de inclusão de actores

 

Interior: da marginalidade geográfica à marginalidade sócio-económica


Qual a realidade que se esconde, hoje, por detrás da expressão, tão utilizada como imprecisa, de «Interior»? A diversidade de discursos que o invocam e a variedade de contextos em que o fazem dificultam qualquer tentativa de definição. Apesar disso, parece legítimo afirmar que a «interior» e a «interioridade» se associam basicamente três elementos: uma situação (subdesenvolvimento), uma causa principal (isolamento e dificuldades de acesso às áreas mais dinâmicas, localizadas no litoral), uma consequência particularmente grave (a desertificação, considerada nas suas várias componentes). Envolvendo estes três elementos surge um discurso marcado por uma cultura de fatalismo e de apelo à intervenção assistencialista do Estado.
A sequência dos vários factores referidos no parágrafo anterior é bem conhecida. A marginalidade geográfica das regiões do Interior, acompanhada por um visível desinteresse por parte do poder central por estas áreas, levou a uma persistente sangria de gente, nomeadamente daqueles que, pelo seu capital escolar, cultural ou mesmo económico, mais necessários seriam para combater a situação deficitária existente. Este despovoamento, agravado por uma crise profunda do sector agrícola, estimulou o abandono dos campos e a concentração das populações em algumas cidades de média dimensão, contribuindo, lenta mas inexoravelmente, para romper equilíbrios ambientais, sócio-demográficos e económicos historicamente sedimentados. Gera-se, assim, um círculo vicioso marginalidade (geográfica)/despovoamento/abandono dos campos/marginalidade (social e económica) que conduz ao agravamento das situações de subdesenvolvimento, sobretudo em termos relativos mas mesmo, nalguns casos, em termos absolutos.
Será esta imagem do «Interior» adequada aos dias de hoje? A verdade é que o conjunto de elementos invocados e o modo como são articulados constituem mais uma visão-memória do que um retrato rigoroso da situação actual. É certo que os vários elementos sublinhados correspondem a aspectos a levar em conta por todos os que pretendem contribuir para a requalificação das áreas ditas do Interior. É certo, também, que o círculo vicioso que foi enunciado continua a operar em alguns contextos. Importa, no entanto, referir que uma intervenção adequada nestas parcelas do território nacional implica um entendimento distinto destas matérias. Trata-se, no essencial, de construir um discurso sobre o «Interior» que, incorporando as perspectivas anteriores como aspectos essenciais para a compreensão do processo histórico que conduziu à realidade actual, saiba, ao mesmo tempo, abrir espaço para a emergência de uma outra perspectiva.
 
Interior: de território a processo de subdesenvolvimento
A «nova análise» do Interior terá de relativizar ou abandonar alguns aspectos considerados até há pouco como essenciais, ao mesmo tempo que introduz novas dimensões e reequaciona algumas das relações de causalidade usualmente apontadas. É que o grande problema do Interior, hoje, é ter sido «interior» ontem. Por outras palavras, o subdesenvolvimento que aflige estas áreas do país é mais uma consequência das situações de isolamento, encravamento e deficiente acessibilidade do passado do que do presente, mesmo nos casos em que estes condicionalismos persistem com significado. O alvo de atenção deverá ser, assim, a marginalidade sócioeconómica resultante do círculo vicioso acima identificado e essa marginalidade apenas se combate com resultados duradouros se forem criadas condições realmente propícias à emergência e consolidação de actores - individuais e colectivos; públicos, associativos e privados - qualificados e qualificantes. Em suma, um caminho mais promissor, tanto do ponto de vista analítico como do ponto de vista da formulação de políticas, para reconstruir o Interior e destruir a interioridade, sugere a necessidade de deslocar a questão «Interior» para uma outra, a da avaliação das condições de desenvolvimento em áreas rurais vítimas de processos históricos de marginalização. Esta inflexão não supõe o desaparecimento da interioridade como condicionalismo físico relevante. Supõe, isso sim, que a prioridade de actuação deve orientar-se para a alteração das condições estruturais de desenvolvimento, as quais apenas parcialmente se articulam, positiva ou negativamente, com questões de acessibilidade; supõe, igualmente, colocar as pessoas, as instituições e as organizações no centro do debate, porque são elas que estimulam, constroem ou, pelo contrário, impedem o desenvolvimento.
Esta inflexão analítica tem outra vantagem: a de questionar a natureza da unidade e da especificidade globalmente atribuídas a estas áreas, na medida em que favorece o reconhecimento da existência de situações diversificadas no seu seio. O Interior não corresponde a um espaço homogéneo, mas antes a um território que partilha dimensões importantes de um passado e de uma memória comuns. De facto, e do ponto de vista das características actuais, não existe um Interior, mas vários. E estes diversos «Interiores» não se confinam à faixa não litoral do país nem dela detêm o monopólio. «Interior» e «litoral», enquanto categorias tradicionais associadas a determinadas características contrastantes (isolamento v. acessibilidade; envelhecimento v. juventude; declínio v. dinamismo económico; densidade populacional v. desertificação, etc.), misturam-se no país de tal forma que situações de «Interior» podem ocorrer junto da faixa litoral enquanto realidades «litorais» emergem, ainda que pontualmente, nos distritos vizinhos de Espanha. As actuais condições de desenvolvimento possuem, de facto, uma geografia complexa, que dificilmente se compadece com as clássicas, e simplistas, dicotomias entre o Norte e o Sul, o Litoral e o Interior.
 
Densidade relacional, organização colectiva inteligente e desenvolvimento territorial
E, no entanto, o Interior existe! Não pelas razões tradicionalmente invocadas, mas pelo facto de uma vasta faixa rural que se estende da linha Gerês/Montesinho à serra Algarvia partilhar um traço distintivo: a existência de espaços extensivamente caracterizados por uma baixa densidade relacional. Esta é, justamente, a factura mais pesada que o chamado Interior paga pelo processo de marginalização que sofreu durante tantas décadas.
Uma população envelhecida e globalmente pouco qualificada, um tecido empresarial fragmentado e atomizado, um aparelho administrativo público constituído por entidades demasiado auto-centradas e sem real poder de decisão, um movimento associativo incipiente, tanto do ponto de vista das empresas como dos cidadãos: tudo isto reflecte a realidade de áreas cuja escassez numérica e debilidade quantitativa de actores constitui o principal obstáculo ao desenvolvimento. Mais grave, porque mais decisiva, do que a reduzida densidade física, fruto dos processos de desertificação, é a incapacidade de os (poucos) actores existentes se qualificarem e se organizarem colectivamente, partilhando esforços e informação, produzindo conhecimento, estimulando inovações. É sabido que soluções organizacionais de tipo sistémico podem contrariar ou mesmo contornar fragilidades estruturais decorrentes da existência de limiares populacionais baixos: serviços de carácter ambulatório, movimentos associativos de base territorial, colaboração inter-institucional e intermunicipal, participação em redes de cooperação ou estabelecimento de parcerias e de alianças estratégicas ao nível regional são alguns dos exemplos possíveis neste domínio. Trata-se, afinal, de caminhar no sentido de encontrar soluções em que a interacção entre actores constitui não só uma via de combate ao isolamento mas sobretudo um veículo de constituição de limiares dinâmicos de massa crítica, uma oportunidade de qualificação dos actores envolvidos, uma fonte de criatividade colectiva.
Reconstruir o Interior destruindo a interioridade implica, pois, o desenvolvimento de estratégias activas de inclusão: mobilizar actores individuais e colectivos, integrá-los em objectivos comuns e em linhas de rumo estrategicamente partilhadas, co-responsabilizá-los na missão de criar condições de desenvolvimento para as regiões onde vivem e actuam. E, nesta tarefa específica, cabe ao Estado um papel crucial, impulsionando directa e indirectamente estas estratégias ao mesmo tempo que combate com vigor a cultura assistencialista. Como organizar, então, de forma mais eficiente os actores do Interior, conferindo a esta parcela do país a inteligência colectiva que necessita? Se as respostas são múltiplas, os caminhos a explorar ainda são mais numerosos. Quanto à preocupação principal, ela está bem identificada: evitar que à interioridade de ontem, apesar de tudo em vias de resolução, se juntem agora as novas interioridades decorrentes da exclusão da sociedade da informação e dos processos de mundialização. Num mundo crescentemente interactivo não existe lugar para realidades fechadas ou para soluções paroquiais. A opção é, pois, entre actor e espectador de um espectáculo cujo palco é cada vez menos de âmbito nacional; e é justamente em relação a esse palco que se definem as novas centralidades e, por contraste, as novas interioridades. O jogo entre integração e exclusão não só se tornou mais difícil como mudou de escala. Pena seria que uma visão limitada de combate à «interioridade de ontem» levasse a ocultar o perigo das novas interioridades que se adivinham.
http://jorgesampaio.arquivo.presidencia.pt/pt/img/1x1.gif


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Fora de si

Fora de si

Muitos não têm o coração dentro em si, senão fora de si e muito longe. Fora de si, porque não cuidam em si, e muito longe de si, porque todos os seus cuidados andam só atentos e aplica­dos às coisas temporais e mundanas que amam.
Padre António Vieira